sábado, 28 de fevereiro de 2009

Velocidade de Estol

Para poder continuar explicando os requisitos de decolagem, é necessário apresentar a definição de uma série de velocidades que são utilizadas nessa fase do voo ou, caso não apareçam diretamente, são usadas como limite de cálculo de outras pelo fabricante da aeronave.

Algumas velocidades são calculadas e outras são obtidas através de vôos de ensaio durante o processo de certificação de uma aeronave.

Fator de Carga

Fator de carga (n) é a razão entre a sustentação produzida pela asa de uma aeronave (L) e seu peso (W). Para que uma aeronave esteja em voo reto horizontal, é necessário que a sustentação seja igual ao peso. Nesse caso, o fator de carga será 1.


Figura 1 - Equação do fator de carga


Ângulo de Ataque e Coeficiente de Sustentação

Observando-se a equação da sustentação (Figura 2), nota-se que esta é diretamente proporcional ao quadrado da velocidade e ao coeficiente de sustentação (CL). Sendo assim, mantendo-se voo reto horizontal, quando diminui-se a velocidade é necessário aumentar o CL para manter a sustentação constante e, consequentemente, o fator de carga igual a 1 (lembrando-se que o peso é constante para um dado instante do voo).


Figura 2 - Equação da Sustentação

A maneira de aumentar-se o CL é aumentando-se o ângulo de ataque. Esse aumento produz um aumento do CL até um ponto máximo, a partir do qual o fluxo de ar descola-se da asa e o CL diminui. Esse ponto é conhecido como ponto de CLMAX e coincide com o ângulo de ataque onde ocorre o estol. A figura 3 mostra a relação CL x ângulo de ataque.


Figura 3 - CL em função do ângulo de ataque

O ângulo de ataque onde o CL é máximo é conhecido como ângulo crítico (também chamado de ângulo de estol, ângulo de sustentação máxima ou ângulo de perda).

Dispositivos Hipersustentadores

Uma outra forma de aumentar o CL sem mudar o ângulo de ataque é utilizar-se dispositivos hipersustentadores como flaps e slats, mostrados na figura 4. O uso de tais dispositvos é considerado nos cálculos de decolagem e pouso por aumentar significativamente o CL, conforme mostrado na figura 5.


Figura 4 - Tipos de Flapes




Figura 5 - Variação do CL em função da posição de flap

Ocorre que, como a configuração de flaps / slats numa decolagem é constante, o fabricante deve determinar uma velocidade de estol para cada configuração de decolagem aprovada para a aeronave.

Velocidade de Estol


A velocidade de estol é defina como a mínima velocidade em que a asa pode pruduzir sustentação suficiente para suportar a aeronave.

Requisito

FAR 25.103 - Stall Speed - The reference stall speed, VSR, is a calibrated airpeed defined by the applicant. VSR may not be less than 1-g stall speed.

Até meados da década de 80, o FAR 25 estipulava uma definição para ensaios de determinação de velocidade de estol que era:

  • Após a ocorrência do estol, o piloto deveria continuar puxando o manche para entrar em um estol mais profundo;
  • A menor velocidade registrada durante a manobra era declarada a velocidade de estol para a configuração em teste;
  • Os cálculos ignoravam o fator de carga quando calculando o CL e a velocidade.
Durante o processo de certificação da aeronave Boeing 767-300, surgiram algumas questões relacionadas à determinação da velocidades de estol que provocaram a mudança do FAR 25 para o conceito hoje conhecido como 1-g Stall Speed:

  • Quando ocorre o estol, a recuperação é iniciada imediatamente, ao contrário do que ocorria no passado;
  • A velocidade onde ocorre a maior sustentação é definida como velocidade de estol;
  • Os cálculos passaram a levar em consideração o fator de carga.
Com essa modificação, a 1-g stall speed (método novo) é cerca de 5 a 7% maior do que a FAR stall speed (método antigo).

Determinação da Velocidade de Estol

No ensaio para determinação da velocidade de estol, os seguintes pontos devem ser seguidos:

  • Potência em idle;
  • Asas niveladas, desaceleração com 1-g (Lift = Weight);
  • Aeronave compensada para vôo nivelado em velocidade entre 1.13 e 1.3 VSR;
  • Passo de hélice ajustado para decolagem (se aplicável);
  • Trem de pouso e flap ajustados para a configuração que se deseja calcular a velocidade de estol (configuração de decolagem por exemplo);
  • CG na posição mais desfavorável;
  • A desaceleração deve ocorrer a uma razão de um nó por segundo;
  • A aeronave é considerada estolada quando dá ao piloto uma indicação clara de natureza aceitável que está estolada - FAR 25.201(d). Essa indicação pode ser:
- Uma atitude de pitch down que não pode ser imediatamente recuperada;
- Buffeting significativo; ou
- O controle de pitch atinja o batente traseiro e não ocorra aumento de pitch com o controle mantido nessa posição.

Caso a aeronave possua um sistema que empurre o nariz para baixo em um determinado ângulo de ataque (stick pusher, por exemplo), a velocidade de estol deve ser, no mínimo, 2 kts ou 2% (o que for maior) acima da velocidade de atuação do dispositivo.

Efeito do Peso

Quando o peso de uma aeronave aumenta, as características aeroelásticas da asa permitem uma maior flexão, o que causa uma diminuição do CL para uma dada configuração em relação a um peso menor, como mostrado na figura 6. Como o CL diminui, é necessário aumentar o ângulo de ataque para manter a sustentação. Em uma situação extrema (ângulo de ataque crítico), a sustentação será menor na aeronave pesada e, para manter a sustentação igual ao peso é necessário aumentar a velocidade.

Por isso, a velocidade de estol aumenta quando o peso aumenta.


Figura 6 - Efeito do peso no CL

Efeito da Posição do CG

Para manter uma aeronave em vôo horizontal, é necessária uma força para baixo produzida pelo estabilizador horizontal, como mostrado na figura 7 e a sustentação produzida pela asa deve ser:

LWING = W + LTAIL


Figura 7 - Força necessária no estabilizador para voo reto horizontal

Se considerar-se um deslocamento do CG para trás, será necessária uma força menor produzida pelo estabilizador horizontal. Com peso constante, a sustentação da asa pode ser menor para manter o voo o que requer um ângulo de ataque menor.

Com a necessidade de um ângulo de ataque menor, é possível produzir a sustentação necessária para voar em uma velocidade menor quando o CG está mais para trás.

Uma vez que o CG trazeiro permite velocidades de estol menores e o FAR 25 requer que o CG esteja na posição mais desfavorável para a realização dos ensaios, os voos de teste devem ser feitos com o CG no limite dianteiro.

Velocidade de Estol em Curva

Quando a aeronave inicia uma curva nivelada, a sustentação deve aumentar para compensar a perda resultante da inclinação do vetor de sustentação, mostrada na figura 8.


Figura 8 - Composição de forças em curvas

Para aumentar a sustentação mantendo-se a velocidade constante é necessário aumentar o CL, aumentando-se o ângulo de ataque. Numa situação de ângulo crítico, a sustentação total não será suficiente para manter o vôo nivelado, sendo necessário aumentar a velocidade. Dessa forma, a velocidade de estol em curvas é maior do que em vôo horizontal.



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